18 de outubro de 2009

Nova Norma da Anvisa Proibe Farmácias de Realizar Outros Serviços.

James Klerton Pereira de Almeida é um jovem comerciante de Brejo do Piauí (PI), pequena cidade de cinco mil habitantes a 500 quilômetros de Teresina. Em fevereiro, sua Drogaria Mesquita terá de interromper as atividades de correspondente do Banco do Brasil em uma cidade que não tem agência bancária. Nesse segmento, o único concorrente é um pequeno mercado associado à Caixa Econômica Federal.

A mudança vai prejudicar as vendas do comércio varejista de medicamentos e significará uma opção a menos para consumidores em todo o país. Em Brejo do Piauí, cerca de 70 aposentados recebem na Drogaria Mesquita, todos os meses, seus benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A nova norma que proíbe a farmácia de oferecer o serviço bancário é da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) por meio da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 44. Essas normas proíbem que farmácias e drogarias vendam produtos e serviços não ligados diretamente à saúde.

Almeida movimenta cerca de R$ 80 mil por mês como correspondente bancário e ganha R$ 0,15 por transação. Nos convênios, sua remuneração cai a R$ 0,10. O faturamento da farmácia é de aproximadamente R$ 30 mil mensais brutos, mas ele espera queda das vendas. "Acabei de saber. Não faço a menor ideia de como vou contar aos meus fregueses", disse Almeida, por telefone, ao Valor.

Para os moradores de Brejo do Piauí, a única opção de agência bancária é a 18 quilômetros, em Canto do Buriti (PI). A viagem dura 40 minutos e custa, ida e volta, R$ 10,00. Almeida é dono da Drogaria Mesquita há quatro anos e nunca recebeu a visita de fiscal da Anvisa. O que ocorre todos os anos, sem falta, é a passagem de alguém do Conselho Regional de Farmácia para a cobrança da taxa de aproximadamente R$ 300,00.

Frederico Queiroz Filho é diretor setorial de correspondentes bancários da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e lamenta que a RDC 44 tenha proibido os serviços bancários nas farmácias. "Os consumidores da terceira idade serão mais prejudicados porque, geralmente, têm dificuldade em lidar com máquinas de autoatendimento e confiam nos balconistas das farmácias. A medida é radical", critica.

Segundo a Febraban, há 100 municípios sem agências bancárias, mas, neles, farmácias exercem o papel de correspondentes. No país, são dez mil farmácias nessa situação, o que significa 12% do total. A entidade estima que as farmácias realizem 100 milhões de atendimentos por ano ou oito milhões por mês, beneficiando seis milhões de pessoas.

O diretor-geral da Anvisa, Dirceu Raposo de Melo, disse ao Valor que a prestação de serviços bancários não contamina o ambiente de saúde da farmácia. Por outro lado, revela que, quando foi aprovada a RDC 44, os 27 superintendentes regionais de vigilância sanitária, sem exceção, insistiram na manutenção dessa restrição.

Os serviços bancários são apenas parte da lista de atividades que estarão proibidas nas farmácias e drogarias a partir de fevereiro. O comércio critica duramente o veto à venda de águas, bomboniere, cartões telefônicos, bilhetes de transporte coletivo e muitos outros itens (ver quadro nesta página).

Para Sérgio Mena Barreto, diretor-executivo da Abrafarma, as restrições vão desequilibrar as empresas porque os preços dos remédios são controlados. De acordo com dados da entidade, o lucro líquido médio das 28 empresas associadas da Abrafarma foi de apenas 1,46% do faturamento total em 2008. "A Anvisa está causando instabilidade quando as condições econômicas são favoráveis aos investimentos no setor. No mundo todo, farmácia também é conveniência, mas a Anvisa prefere ver o consumidor brasileiro como coitadinho", protesta.

Na visão da Abrafarma, o setor está sob a ameaça de uma intervenção violenta no mercado, mas a Anvisa não tem autorização da lei para impor tantas restrições. A perspectiva é de muita briga no Judiciário porque, de acordo com Mena Barreto, São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal, Acre, Roraima, Rio Grande do Norte e Paraíba têm leis que autorizam as farmácias a vender produtos de conveniência. "Nesses Estados, a RDC 44 é letra morta", afirma Mena Barreto.

Melo, da Anvisa, considera que os empresários estão anunciando uma falsa polêmica porque a lei ampara a RDC 44 e as vendas não serão limitadas de maneira exagerada. "Se quiser vender sorvete, tem de abrir uma sorveteria. Conveniência para quem?", questiona. Para ele, a farmácia é o único estabelecimento comercial que pode vender medicamentos no Brasil, o que a difere de padarias e supermercados. Para a Anvisa, farmácia tem de voltar a seguir seu propósito de orientação no uso de medicamentos e prestar serviços farmacêuticos.

Na interpretação de Melo, a Lei 5.991, de 17 de dezembro de 1973, define o que uma farmácia pode fazer e exige que o estabelecimento tenha, permanentemente, farmacêutico habilitado no local. Ele também lamenta que, em São Paulo, cerca de 20% das farmácias descumpram essa obrigação básica.

Irritado, o diretor-geral da Anvisa responde às acusações de que a RDC 44 seja um trunfo para seu projeto político. Ele é farmacêutico e, segundo informações no mercado, teria interesse em presidir o Conselho Federal de Farmácia (CFF). "É uma ilação. Estou desde 2004 na Anvisa e fico até janeiro de 2011. Não sou candidato. Não preciso desse tipo de coisa para me promover. Foi a distorção do mercado que tornou a situação insustentável e nós enfrentamos esse problema. Não é questão de religião. É saúde pública", diz.

Entre os empresários, há muita apreensão. Álvaro Silveira Júnior, diretor-executivo das redes Rosário e Distrital, em Brasília, comenta que muitos pontos de venda já atuam, há muito tempo, sob o conceito "drugstore", o que significa oferecer ao consumidor ampla lista de produtos e serviços. Calcula que, se prevalecerem as restrições da Anvisa, vai haver perda de faturamento, principalmente no segmento de bomboniere, refrigerantes, sucos e águas.

A estimativa do diretor da Rosário/Distrital é de perdas próximas a 10% das vendas. "Não sei qual é o objetivo da Anvisa, mas as farmácias estão sendo tratadas de maneira diferente das redes de supermercados, que também têm esse tipo de venda. Entendo que proíbam vendas de cigarros e bebidas alcoólicas, mas não há sentido em impedir que uma farmácia ofereça água", critica.

As lojas da Rosário/Distrital vão continuar vendendo porque há uma lei no DF que autoriza oferecer produtos de conveniência. Para seu diretor, a perda com relação a esses itens vai empobrecer o mix oferecido por farmácias e drogarias, o que levará ao fim dos descontos. Para o consumidor, é aumento de preços.

Veículo: Valor Econômico

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